top of page
  • Foto do escritorFábio Ferreira

POR QUE HOUVE UMA GUERRA DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NO URUGUAI?

Uma breve história do Estado Cisplatino Oriental (ou Província Cisplatina) e de

sua capital, Montevidéu, a última cidade portuguesa das Américas


Fábio Ferreira



Considerando o título deste texto, a resposta parece simples: porque em 1822 o Uruguai pertencia ao Brasil e, de um lado, havia aqueles que estavam no interior uruguaio, querendo aderir ao governo do príncipe que tornava-se imperador, e, do outro, os que controlavam Montevidéu e desejavam permanecer fiéis à Lisboa. Evidentemente, sob a perspectiva do historiador, que costuma tornar praticamente tudo mais complexo (o que é positivo), não se deve escolher essa simples explicação. Mas, por que evitá-la? Por vários motivos, que serão tratados sucintamente nos próximos parágrafos.


O primeiro deles é que, à época, não existia o Brasil nem o Uruguai, enquanto Estados Nacionais. Ou seja, não havia como dois países inexistentes estarem unidos. O que havia em 1822 era o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, que, em algum momento do segundo semestre desse mesmo ano, sofreu uma profunda cisão, iniciando o processo de criação do Império do Brasil. No mesmo período, no Prata, existia o Estado Cisplatino Oriental, cujo território correspondia ao da atual República Oriental do Uruguai, e que, desde 1821, fazia parte do Reino Unido dos Bragança. Porém, vale perguntar-se: como surgiu o Estado Cisplatino?


Para a resposta, é fundamental lembrar-se do processo de independência da América Espanhola e que a área na qual hoje é o Uruguai estava imersa, desde o início da década de 1810, em várias guerras que ceifaram vidas e geraram prejuízos, inclusive de ordem econômica, para grandes comerciantes e proprietários de terras estabelecidos na região. Ao mesmo tempo, o príncipe regente D. João desejava estender seu poder até o Prata e diversos setores sociais da região queriam o fim dos conflitos e a aproximação com grandes comerciantes da praça do Rio de Janeiro.


Frente a essa junção de interesses, em 1816, partiram da Baía de Guanabara as forças militares que invadiram o Prata. Após articulações políticas com segmentos locais, em 1817, Montevidéu foi entregue, sem um único tiro, aos portugueses, liderados pelo general Carlos Frederico Lecor, que tornava-se o governador da região ocupada. O militar conduziu uma administração politicamente composta de diversos atores locais, característica fundamental para a criação do Estado Cisplatino.


Tudo parecia caminhar bem para Lecor e para seus aliados, até que, com a Revolução de 1820 (também conhecida como Revolução Liberal do Porto), a situação começou a complicar-se. Como Belém, Salvador e Rio de Janeiro, onde ocorreram levantes militares e, em seguida, a adesão às Cortes de Lisboa, o mesmo aconteceu, em março de 1821, em Montevidéu. As forças invasoras dividiram-se e uma fração iniciou uma série de reinvindicações, como a de que Lecor jurasse obediência à Constituição que viesse a ser elaborada por Lisboa. O general acabou por fazê-lo, ameaçado de deposição.


Além disso, diversos atores sociais, que ascenderam politicamente com o liberalismo luso, desejavam o fim da ocupação. Nesse grupo, estava o novo ministro dos negócios estrangeiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, que agiu para que D. João VI ordenasse um congresso em Montevidéu (chamado, na documentação da época, de Congresso Cisplatino), para que deputados locais decidissem o futuro da invasão.


Lecor e seu grupo político agiram para que o congresso realizado no Prata fosse “de cartas marcadas”. Como resultado, a ocupação foi oficializada e a região virou um novo estado da monarquia portuguesa, batizado de Estado Cisplatino Oriental (julho de 1821). Dentre as várias condições para a união à coroa dos Bragança, estavam a manutenção das leis locais, do castelhano como idioma cisplatino, e a permanência de Lecor no poder.


O resultado gerou profunda insatisfação nos liberais. Nas Cortes, os deputados tiveram inflamados debates em razão da criação do referido Estado. Silvestre Pinheiro Ferreira destituiu Lecor do poder, porém, o general o desobedeceu e permaneceu em Montevidéu. Por um lado, os militares do Prata fiéis à Lisboa questionaram o resultado do Congresso Cisplatino, tornando o ambiente político local ainda mais tenso. Por outro, o Correio Braziliense fez intensa campanha pela manutenção do Estado recém-criado. O príncipe regente D. Pedro e José Bonifácio não desaprovaram o resultado, inclusive acolheram, em 1822, o representante cisplatino no Rio, que, por sua vez, ao longo do mencionado ano, apoiou publicamente o príncipe em seus atos contra Lisboa.


À medida que as relações entre D. Pedro e as Cortes se deterioravam, a situação entre seus respectivos partidários em Montevidéu também piorava, a tal ponto que Lecor e seus aliados tiveram que fugir da cidade e instalarem-se no interior do Estado Cisplatino. Montevidéu passou a ser, a partir de setembro de 1822, controlada pelos militares favoráveis à Lisboa, porém, foi sitiada, por terra, por Lecor.


Entre os vários projetos aventados nos tempos da guerra de Independência, esses militares articularam com os de Salvador estratégias para inviabilizarem o Império que estava a nascer. Ao mesmo tempo, setores oriundos do Prata insatisfeitos com a criação do Estado Cisplatino articulavam entregar Montevidéu a Buenos Aires, o que não era o pior quadro para os portugueses à altura, pois o inadmissível era a urbe cair nas mãos do seu principal inimigo, ou seja, o grupo político composto por Lecor e seus aliados – que, somente fora das muralhas da cidade, se posicionaram publicamente pelo Império.


Porém, o pior cenário imaginado pelo segmento pró-Portugal foi o que se concretizou. Em Portugal, em maio de 1823, houve o retorno ao absolutismo. Na América, no segundo semestre, importantes praças que resistiam ao Império, como Salvador, São Luís do Maranhão e Belém do Pará, deixavam de ser portuguesas. No dia 11 de outubro, Lecor conseguiu bloquear o porto de Montevidéu.


Desse modo, a opção para os portugueses era negociar. Em novembro, acordaram com Lecor o fim das hostilidades, o retorno a Portugal e a entrega da praça ao Brasil. Em 2 de março de 1824, Lecor atravessou, triunfante, as portas das muralhas de Montevidéu, tendo sido a cidade o derradeiro ponto português nas Américas, bem como o último local em que D. Pedro I foi aclamado Imperador do Brasil.


Fábio Ferreira é professor da Universidade Federal Fluminense e autor da tese “O General Lecor, os Voluntarios Reais, e o conflitos pela Independência do Brasil na Cisplatina: 1822-1824” (PPGH/UFF, 2012). E-mail: ferreira@revistatemalivre.com.


Saiba mais

FREGA NOVALES, Ana. Proyectos políticos y faccionalismo militar: ecos de la crisis de la monarquía portuguesa en Montevideo, 1820-1824. Illes i Imperis, Montevideo, n. 17, pp. 57 – 90, 2015.


PRADO, Fabrício. Comércio trans-imperial e monarquismo no Rio da Prata revolucionário: Montevidéu e a Província Cisplatina (1808-1822). Almanack, Guarulhos, n. 24, pp. 1 – 47, 2020.


PIMENTA, João Paulo. Independência do Brasil. São Paulo: Contexto, 2022. RIBEIRO, Ana. Los muy fieles leales a la corona en el proceso revolucionario rioplatense: Montevideo-Asunción, 1810-1820. Montevideo: Planeta Uruguay, 2013.




805 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page