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Foto do escritorLucia Maria Paschoal Guimarães

PARA ALÉM DA EXPOSIÇÃO UNIVERSAL DO RIO DE JANEIRO

A celebração do centenário da Independência no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro


Lucia Maria Paschoal Guimarães


A passagem do centenário da Independência do Brasil costuma ser associada à Exposição Universal, que teve lugar no Rio de Janeiro, entre 7 de setembro de 1922 e 24 de julho de 1923. De fato, esse megaevento foi o marco comemorativo mais imponente da efeméride. A então capital da República engalou-se para acolher a “Vitrine do Progresso” da nação, estendida em oito pavilhões, erguidos no terreno aberto com o desmanche do Morro do Castelo, na área central da cidade, em frente à Baía de Guanabara. A magnitude da mostra buscava projetar uma imagem de modernidade do país, ao completar um século de emancipação política.


Os idealizadores da Exposição ambicionavam dar uma aula de civismo e cidadania aos brasileiros a despeito da agitação política que afetava o governo do presidente Epitácio Pessoa (1919-1922). A montagem dos estandes exaltava a pujança do país. Exibia-se a prosperidade da lavoura, da pecuária e da pesca, os melhoramentos da indústria extrativa e fabril, do comércio, dos meios de transporte e de comunicação, bem como o florescimento das ideias, das ciências e das artes. Franqueada aos países estrangeiros, a “feira de modernidades” do Rio de Janeiro recebeu a adesão de treze nações amigas, cujos produtos e serviços foram também expostos, o que trouxe maior amplitude e brilho à festa-espetáculo.


Mas, para além da Exposição, houve outras celebrações do centenário que vale a pena recordar. No campo dos eventos acadêmicos, sobressaem-se as iniciativas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) – a Casa da Memória Nacional. Fundado em 21 de outubro de 1838, passados, portanto, dezesseis anos da proclamação da Independência, o Instituto Histórico destinava-se a coligir, metodizar, publicar ou arquivar todos os documentos necessários para a escrita da história do Brasil. Desfrutando do patrocínio do imperador D. Pedro II, o Instituto Histórico foi a instituição cultural mais importante do Segundo Reinado. É bem verdade que com o fim da monarquia a Casa perdeu prestígio e benesse num primeiro momento. Porém, nos anos seguintes, recuperou sua importância e conheceu uma nova trajetória ascendente, com o apoio dos presidentes da República.


Seja como for, as solenidades do centenário da Independência começaram a ser cogitadas no Instituto com bastante antecedência. Em 1898, Manoel Francisco Correia (1831-1905), ex-senador do Império e vice-presidente do IHGB, sugeriu que a corporação dos historiadores oferecesse os seus serviços ao governo federal para elaborar o planejamento da efeméride. E foi mais adiante… Correia fez uma doação pessoal de recursos ao IHGB, sob a forma de apólices da dívida pública, valores cujos rendimentos e o respectivo resgate deveriam ser empregados pelo reduto intelectual nas festividades de 1922.


Manoel Correia demonstrava familiaridade com a concepção de centenário, recém incorporada aos dicionários e enciclopédias no final dos anos oitocentos. Ou seja, a ideia de celebrar o centésimo aniversário de fatos notáveis, noção que estava intimamente relacionada com centenário de três eventos-chave da história do mundo ocidental: a independência dos Estados Unidos (1876), a Revolução Francesa (1889) e a passagem do século (1900).


Para solenizar o acontecimento fundador da nacionalidade brasileira, a Casa concebeu um conjunto de ações que procurava combinar os interesses dos historiadores de ofício e os preceitos da política externa desenvolvida pelo Itamaraty naquela altura, voltada para a aproximação do Brasil com países do continente. Paralelamente, o Instituto procurou estimular a cultura e difundir o conhecimento científico junto à população em geral. Deste modo, planejou editar uma obra de referência, destinada ao público leigo e inspirada no Le Grand Dictionnaire Universelle du Siècle XIX, de Pierre Larrousse (1ª edição, 1864). A meta era vulgarizar o saber disponível sobre o país. Batizada de Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil (IHGB, 1922-23), a publicação foi organizada tal qual um repertório de conhecimentos básicos sobre o Brasil, a começar pela delimitação da soberania nacional e a descrição física do território até a formação étnico-cultural da população, passando pelos principais fatos da história nacional e seus vultos ilustres.


Mas, na percepção do IHGB não bastava apenas revelar o Brasil aos brasileiros. Era preciso descortinar o país aos vizinhos do continente. E o centenário, sem dúvida, constituía um bom momento para levar avante essa ideia. Tanto assim, que o Instituto resolveu convocar o I Congresso Internacional de História da América, como parte das festividades, visando promover a “aproximação intelectual de todos os países do Novo Mundo”, assim como identificar nos domínios da história pontos comuns entre o Brasil e os demais territórios americanos. O projeto obteve boa acolhida nos círculos intelectuais e diplomáticos e recebeu os patrocínios do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e da Pan American Union, de Washington, entidade precursora da Organização dos Estados Americanos.


Aberto em 7 de setembro de 1922, pelo presidente da República Epitácio Pessoa (1865-1942) e com a presença do secretário de Estado norte-americano Charles Evans (1862-1948), a jornada científica reuniu cerca de 200 participantes, dos quais 83 estrangeiros, procedentes de 17 países do continente (inclusive as Guianas), sendo as maiores delegações dos Estados Unidos e da Argentina. Ao final das atividades acadêmicas, os congressistas aprovaram um programa de trabalho coletivo, denominado de “Plano da História Geral da América”, com o propósito de produzir e publicar uma grande síntese da “marcha evolutiva da civilização no continente americano”.


Além da edição do livro-monumento e da realização do Congresso Internacional de História da América, o IHGB promoveu ainda dois ciclos de conferências, orientadas para o exame da problemática da emancipação política dos antigos domínios portugueses na América. No primeiro, foram pronunciadas 16 palestras que contemplavam os centenários dos fatos mais relevantes que haviam desencadeado a proclamação da Independência, uma espécie de cronologia do processo, que abrangia desde o chamado “Dia do Fico”, 9 de janeiro de 1822, até a cerimônia de “Sagração, Coroação e Entronização de D. Pedro I”, em 1 de dezembro de 1822.


Esse plano de trabalho seria complementado no ano seguinte, por uma segunda série de conferências, reunidas sob o título “As Independências”. No ciclo de 1923, privilegiava-se o estudo dos combates travados pela soberania nas províncias da Bahia, do Maranhão e do Pará. A abordagem proposta atualizava o estudo do tema à medida que refutava interpretações construídas no próprio IHGB no século XIX, que percebiam o rompimento com a velha metrópole como um processo pacífico sem contestação ou lutas, que distinguia o Império das repúblicas vizinhas, convulsionadas pelos ditos “furores democráticos”.


Tal como a Exposição Universal do Rio de Janeiro, as comemorações do centenário da Independência promovidas pelo IHGB convergiam com o propósito educativo do governo de formar bons patriotas, incentivando o culto da nacionalidade e apreço pelos valores cívicos. Mas não só. Suas iniciativas refletem a preocupação de oferecer à população leiga um largo panorama da realidade brasileira e de contribuir com as autoridades do governo para aprimoramento das relações entre o Brasil e os países do continente americano. Ao mesmo tempo, percebe-se que o Instituto tratou de revisitar a escrita da história nacional com novos aportes ao estudo da Independência. Neste sentido, é oportuno destacar que a ideia de celebrar as “independências”, tão em voga nas recentes comemorações do bicentenário, não seria tão original quanto se faz crer.


Lucia Maria Paschoal Guimarães é doutora em História pela USP, professora titular aposentada da UERJ, membro titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História. Email: luciamp@uol.com.br



Para saber mais


GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Da Escola Palatina ao Silogeu. Rio de Janeiro: Museu da República, 2006.


IHGB. Diccionario historico, geographico e ethnographico do Brasil (commemorativo do primeiro centenario da independencia) – Segundo volume. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1923.


MOTTA, Marly Silva da. A nação faz 100 anos: a questão nacional no centenário da independência. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1992.


PESAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições universais: espetáculos da modernidade do século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997.

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