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Foto do escritorElizabeth Sousa Abrantes

O GRITO DOS EXCLUÍDOS

Atualizado: 14 de mar. de 2023

Na província do Maranhão os populares independentistas foram também os balaios


Elizabeth Sousa Abrantes



O grito dos excluídos ecoou nas lutas pela Independência no norte do Brasil e não deixou de ser ouvido ao longo das tumultuadas décadas da formação do Estado Nacional. Seus anseios e utopias continuaram sendo barrados e essa exclusão na nova ordem política os motivou a continuarem a interminável luta por cidadania. Na província do Maranhão, os caboclos, vaqueiros, trabalhadores escravizados e indígenas, protagonistas nas lutas independentistas do “Exército libertador”, levantaram-se mais uma vez, agora como balaios, contra as injustiças sociais e o despotismo dos poderosos e seu projeto elitista e conservador.


Por esse motivo, falar da participação dos populares no processo de Independência do Brasil é romper com os silenciamentos da história oficial, que tentou apagar esses registros e essa memória das lutas do povo pobre, chamado de “arraia miúda”, impondo uma memória forjada pelos vencedores. Nesse imaginário construído sobre a independência política do país, a ruptura da metrópole foi apresentada como um “desquite amigável”, uma separação amistosa e sem conflitos, porque capitaneada pelo príncipe regente D. Pedro I, e não “por um aventureiro qualquer”.


As lutas que foram travadas nas províncias nortistas acusadas de separatistas mostram que a independência custou sangue e sacrifício de vidas, a maioria delas de gente do povo. Como exemplo, as batalhas travadas pelas tropas independentes da chamada Coluna Libertadora que, partindo do Ceará, atravessaram o Piauí lutando e recebendo a adesão dos independentistas dessa província até chegar ao Maranhão.


Atravessando o rio Parnaíba para a banda do Maranhão, cresciam as ações e os combates dos independentistas, com adesões nas vilas e povoações, a exemplo das que se localizavam às margens do rio Itapecuru, o Nilo maranhense, no dizer de alguns escritores locais. A participação de populares reunidos em grupos de 50 e 100 homens, os quais se juntariam ao exército libertador, causava preocupação da junta governativa sediada na capital São Luís, que os chamavam de salteadores, para serem tratados como criminosos e não como rebeldes em luta pela causa da independência. O historiador maranhense Vieira da Silva, em sua obra História da Independência da Província do Maranhão, de 1862, chama esses populares de homens rudes, mas de boa fé e boa índole, acostumados a considerar os portugueses como senhores despóticos. Daí o grito de “Mata marinheiro”, uma referência aos lusos e ao sentimento antilusitano que acompanhará as lutas populares, desde a Independência até a guerra civil da Balaiada, maior revolta rural ocorrida em territórios maranhense e piauiense.


A área geográfica onde ocorreram os combates pela Independência no Maranhão foi a mesma que serviu de palco para as lutas dos balaios, a saber, a região sul, o vale do Itapecuru e a banda oriental do Maranhão. Isso significa que a revolta não ocorreu em toda a província, mas abrangeu uma área considerável dela, especialmente na região de produção agrícola, com a monocultura do algodão, e em áreas de grande concentração da população camponesa, como o Baixo Parnaíba, na fronteira com o Piauí.


Assim como na guerra pela Independência, a revolta da Balaiada mobilizou milhares de livres pobres, incluindo indígenas, que colocaram seus arcos e tacapes nessa luta contra a opressão. Vale destacar o velho Matroá, líder indígena que lutou na Independência e, mesmo cansado pelo peso da idade, não se esquivou de mais essa batalha. O contingente de balaios pode ter chegado a 12 mil homens, isso segundo cálculos do próprio presidente da província do Maranhão, o coronel Luís Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias. E ainda mais assustador para as autoridades foi o que eles chamaram de “nuvem negra”, a entrada nessa luta de cerca de três mil escravizados, fossem fugitivos das fazendas da região do conflito, fossem de quilombolas, sob o comando do grande líder negro Cosme Bento das Chagas, o Tutor e Imperador das Liberdades Bem-te-vis.


A Balaiada ou guerra dos Bem-te-vis mobilizou dezenas de lideranças oriundas das camadas populares, vaqueiros e pequenos lavradores, como Raimundo Gomes e Manuel Francisco Ferreira dos Anjos, denominado de Balaio. O vaqueiro Raimundo Gomes deu início ao movimento com a invasão da cadeia da vila da Manga, em 13 de dezembro de 1838, para libertar seus companheiros, e em seguida apresentou um manifesto político que marcaria o início da revolta. O Balaio teve seu apelido utilizado pelos vencedores para denominar a revolta e esvaziar seu sentido político, tendo entrado na luta para livrar seus filhos do recrutamento forçado ou, segundo a versão oficial, para lavar a honra da sua família depois que suas filhas foram defloradas. O certo é que não deixou de lutar contra uma injustiça.


Os balaios conheciam bem o território em que travaram suas lutas, usavam táticas de guerrilhas, as quais provocavam o deslocamento contínuo dos seus acampamentos. Nessa movimentação, circulavam homens, mulheres e até crianças, os quais formavam um “exército invisível”. Os rebeldes tomaram a cidade de Caxias, no sertão maranhense, e assim como os independentistas, chegaram a se aproximar do Golfão maranhense, sem nunca alcançarem a ilha de São Luís. Na guerra de Independência, a Junta Governativa se rendeu diante de um emissário da Coroa, o Lorde Cochrane, a fim de evitar a derrota para o exército libertador. A escritora Carlota Carvalho, em sua obra O Sertão (1924), considera que esses “vencidos seriam, em breve tempo, no Pará, os cabanos, trucidados por Andréia; no Maranhão, os bem-te-vis garroteados por Luís Alves de Lima”. E para o historiador Matthias Assunção a “derrota dos Bem-te-vis foi também uma derrota do Maranhão, ou mais precisamente de um movimento popular democratizante frente às elites mais conservadoras da região”. A luta continua!


Elizabeth Sousa Abrantes é professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Estadual do Maranhão, autora da obra A Balaiada e os Balaios: uma análise historiográfica (1996). E-mail: bethabrantes@yahoo.com.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4087-0057


Saiba Mais

ASSUNÇÃO, Matthias. A Guerra dos Bem-te-vis: a Balaiada na memória oral. São Luís: Sioge, 1988.


CARVALHO, Carlota. O Sertão. 3.ed. Imperatriz: Ética, 2006.


GALVES, Marcelo Cheche. Ao Público Sincero e Imparcial: imprensa e independência na província do Maranhão (1821-1826). São Luís: EDUEMA/Café & Lápis, 2015.



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