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INDEPENDENTE, MAS ENDIVIDADO? OS EMPRÉSTIMOS BRASILEIROS NO CONTEXTO DA INDEPENDÊNCIA

As dívidas do Brasil no contexto da Independência e dos primeiros anos do 1º Reinado nos dizem bastante sobre a fragilidade financeira e fiscal do Império em seus primórdios.


Cláudia Maria das Graças Chaves


O Império do Brasil nasceu endividado? A resposta é sim. O próprio processo de independência impulsionou as primeiras dívidas públicas contraídas já em meados de 1822. Conhecido como “empréstimo da Independência”, a primeira dívida foi autorizada pelo então Príncipe Regente, D. Pedro, por meio de um decreto de 30 de julho de 1822. Deveria ser contraído um empréstimo interno no valor de 400 contos de réis a serem pagos num prazo de dez anos com juros de 6% ao ano e com a garantia das rendas da alfândega do Rio de Janeiro. O então ministro da fazenda, Martim Francisco Ribeiro de Andrada – irmão de Bonifácio de Andrada – escreveu uma carta aos “negociantes e capitalistas” em que os conclamava a socorrer o Estado. Para ele, este seria um recurso momentâneo em função da situação de apuro econômico e da emergência em garantir a liberdade para o Brasil. Dizia: “Seguro desta verdade o jovem herói da nossa escolha, […], vendo o Brasil em algum perigo a Assembleia Constituinte e Legislativa ainda não instalada persuadiu-se que pelo menos agora só a ele deveria competir o direito e a glória de salvá-lo”.


Vejam que o apelo de Martim Francisco aos homens de capitais naquele contexto – os negociantes – enfatizava, além do caráter excepcional e passageiro de crise, a mudança de procedimentos com a adoção de um Estado constitucional. Ele confiava em recursos abundantes tão logo as leis e instituições fossem modificadas após a instalação de uma Assembleia constituinte e legislativa. Contudo, na emergência, o Príncipe teria tomado a decisão sozinho por uma justa causa.



No ano seguinte, em 1823, a assembleia constituinte foi convocada e o primeiro relatório de fazenda do Brasil independente foi apresentado. Os constituintes estavam ávidos por informações acerca da situação financeira do país, ainda em meio ao processo de lutas e adesões à Independência. As notícias não eram animadoras: o ministro já não era o mesmo e não havia consenso sobre os caminhos a serem seguidos. O novo ministro era Manuel Joaquim Nogueira da Gama, futuro marquês de Baependi, que havia atuado por muitos anos na burocracia fiscal do Erário Régio e se tornou membro do conselho privativo de D. Pedro I e também membro do Conselho de Fazenda. A rigor, ele não seria obrigado a produzir um relatório ou orçamento, pois ainda não existia um Congresso para aprová-los, mas a Comissão de Fazenda da constituinte solicitava um balanço das contas públicas em função de sua participação em uma comissão especial para produzir informações financeiras sobre o Brasil ainda no primeiro semestre de 1822. A ideia de formar aquela comissão seria para dar respaldo às decisões do então Príncipe Regente e ao Conselho de Procuradores Gerais das Províncias. O grupo era formado por Manuel Jacinto Nogueira da Gama, José Joaquim Carneiro de Campos, Francisco José Fernandes Barbosa e José Antônio Lisboa. Os dois primeiros possuíam experiência no exercício de cargos junto ao Erário Régio e eram conselheiros do Príncipe. Os dois últimos teriam entrado como “negociantes”, mas ambos possuíam naquele período uma vasta experiência na administração pública: o primeiro como oficial da Secretaria dos Negócios do Reino e participação no Conselho da Fazenda; e o segundo como deputado da Junta de Comércio, professor das aulas de comércio e inspetor de seguros na praça do Rio de Janeiro. Eles produziram uma primeira análise sobre o estado das finanças públicas no reino do Brasil durante aquele período de incertezas desde a partida de D. João VI. O resultado foi desolador, refletindo o caos instalado entre as diversas repartições de fazenda das províncias e o Tesouro Público. Faltavam informações, repasses e coordenação central e sobravam conflitos políticos, despesas públicas e dívidas. Aquele relatório, por sinal, havia sido fundamental para motivar o já citado primeiro empréstimo de 400 contos de réis.


Aqui é importante apontar que naquele contexto, o principal órgão fazendário que deveria coordenar as funções de arrecadação e administração fiscal era o Tesouro Público do Rio de Janeiro, como havia sido designado em 1821 no contexto da revolução liberal do Porto, em Portugal, e em substituição à denominação de Erário Régio – instalado no Brasil em 1808 após a transferência da corte real. Embora a intenção fosse a de criar uma secretaria de fazenda com características administrativas específicas e distintas do antigo Erário, não houve mudanças significativas além do nome até a década de 1830. Na maior parte das capitanias/províncias existiam as juntas de fazenda, que eram responsáveis pela arrecadação e administração fazendária em nível regional. Suas responsabilidades incluíam administrar contratos de arrecadação, tributos, alfândegas, mesas de inspeção, pagamentos das folhas civis, eclesiásticas e militares, bem como o pagamento e manutenção de todas as despesas de tropas militares. Contudo, em 1821 e 1822, em meio às disposições das Cortes Constituintes em Portugal e à regência do príncipe D. Pedro na corte do Rio de Janeiro, a desorganização e ausência de controle sobre tais repartições foi generalizada, e a principal fonte de renda permaneceu sendo a alfândega da praça do Rio de Janeiro que concentrava a maior fatia dos negócios, comércio e investimentos por parte de ricos negociantes, traficantes e financistas.


Voltemos então ao relatório de Nogueira da Gama dirigido aos deputados constituintes em 1823. Após apontar todos os problemas, ele indicou a necessidade de um novo empréstimo, e de maior vulto, como a única saída naquele momento para cobrir as despesas do Estado e o pagamento das dívidas públicas orçadas em oito milhões de réis. Indicou também que os futuros empréstimos seriam pagos por meio de títulos emitidos pelo Tesouro e mediados pelo Banco do Brasil, que por sua vez, emitira as letras de câmbio.


Cabe aqui informar que aquele Banco do Brasil, criado por D. João VI, ficara sem fundos após a partida do monarca e passava por dificuldades. O seu passivo foi reconhecido como dívida nacional, e mesmo assim manteve suas emissões até a total falência e liquidação em 1829. Aliás, o Banco do Brasil é um capítulo à parte, sobre o qual vale a pena discorrer. Sem querer nos desviar de nosso tema, vale lembrar que ele não era um banco de créditos e investimentos como poderia se imaginar hoje, mas sim um banco criado para dar sustentação à corte joanina. Tratava-se de um sistema de sociedade mista e as notas emitidas pelo banco circulavam no Rio de Janeiro. As notas geralmente cobriam os déficits orçamentários provocados pelas despesas da corte e da política expansionista de D. João VI. Quando o rei retornou a Portugal, não apenas retirando todos os fundos existentes no banco, ele também levou todos os diamantes da Coroa que constituíam o lastro das emissões. Além disso, muitos fidalgos possuidores de papel-moeda emitido pelo Banco fizeram a conversão dos valores em barras de ouro para serem embarcadas para a metrópole.


Pelo que foi descrito, a questão era grave, não apenas em função da falta de capitais, mas também em relação à credibilidade das instituições financeiras que deveriam dar suporte, lastro e estabilidade aos empréstimos. Assim, o primeiro empréstimo estrangeiro feito pelo Brasil foi negociado na praça de Londres por Felisberto Caldeira Brant – negociante, diplomata e futuro visconde Barbacena – e Manuel Rodrigues Gameiro Pessoa – diplomata e futuro visconde de Itabaiana – e foram contratadas três milhões de libras esterlinas a serem pagas em dez anos. Novamente as alfândegas do Brasil foram dadas como garantia. O empréstimo foi autorizado por decreto de 5 de janeiro de 1824 e negociado em agosto do mesmo ano em duas etapas: £1.000.000 em cinco casas de negócios; e £2.000.000 junto à Nathan Mayer Rothschild já em janeiro de 1825. Com as condições do empréstimo de 5% ao ano, 1% de amortização e comissão de 4% de negociação, o valor final ficou em £3.686.200. Ainda em 1825, a dívida foi acrescida em £1.400.000 em função de acordo pelo reconhecimento de Portugal à Independência do Brasil. Essa última negociação ainda renderia mais £600.000 a serem pagas diretamente à monarquia portuguesa. Para resumir, a dívida contratada entre os anos de 1824 e 1825 esteve acima de cinco milhões de libras esterlinas. Em comparação, o montante das exportações brasileiras naquele ano girava em torno de 4,6 milhões de libras esterlinas. Isso quer dizer que o compromisso da dívida anualmente era muito elevado, o que suscitou severas críticas e oposições à condução do processo. A partir do início dos trabalhos parlamentares em 1826, ganhou corpo a opinião sobre a necessidade de se reformar o sistema fiscal brasileiro, de se sanear as contas públicas e, claro, de rever as condições dos empréstimos contratados sem a autorização do Congresso.


Contudo, como nos lembra Wilma Peres Costa, o empréstimo externo também cumpria o papel de dar credibilidade entre nações estrangeiras e, ao mesmo tempo, apontar para a ideia de união nacional e territorial, uma vez que o pagamento da dívida dependia dessa unidade. Nesse sentido, como moeda de troca, a pacificação e unidade já figuravam como as principais garantias nas políticas externas do recém-formado Estado imperial brasileiro. A dívida externa se tornava, portanto, outra face de reconhecimento e de diplomacia.


Cláudia Maria das Graças Chaves é professora do Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). E-mail: claudia.chaves@ufop.edu.br


Para saber mais

ALMEIDA, Paulo Roberto. A diplomacia financeira do Brasil no Império. História econômica & história de empresas, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 7-47, 2001.


ALVES, Daiane de Souza. A Fazenda no Império: os projetos de construção da Fazenda pública em Nogueira da Gama e Bernardo Pereira de Vasconcelos (1821-1831). Belo Horizonte: Fino Traço, 2022.


COSTA, Fernando Nogueira. Brasil dos bancos. São Paulo: Edusp, 2012.

COSTA, Wilma Peres. Cidadãos & contribuintes no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2020.



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