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ALICE PIFFER CANABRAVA

Atualizado: 16 de jul. de 2023

Otávio Erbereli Júnior

Dr. História Econômica FFLCH/USP

Pós-doutorado IEB/USP

Prof. do curso de História, UESPI/Parnaíba



Em carta com data estimada em 26 de julho de 1981, Alice Canabrava(1) transmitia a seu amigo Francisco Iglésias suas impressões sobre o XI Simpósio Nacional de História ocorrido entre os dias 19 e 24 de julho de 1981 em João Pessoa. Na carta, a historiadora relatava os desgastes enfrentados na sessão de abertura do evento que marcava as comemorações dos vinte anos da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH) e também o fim de sua presidência (2).


O ano de 1981 seria marcado por encerramentos na vida da historiadora, uma vez que, após trinta anos de atuação como professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), Canabrava se aposentava. Trinta anos antes, ela havia se tornado a primeira mulher catedrática por concurso da USP. Entretanto, seu percurso até esse momento havia sido marcado por vários obstáculos desde sua saída da pequena Araras/SP.


Alice Canabrava, após concluir o curso primário em sua cidade natal, ingressou em 1923, juntamente com sua irmã Clementina, no internato do Colégio Stafford para realizar o curso secundário e a preparação para o ingresso na Escola Normal Caetano de Campos localizada na Praça da República no centro de São Paulo. Entretanto, a ida para São Paulo não fora sem percalços, uma vez que sua mãe, Ottilia Piffer, era costureira e não tinha condições financeiras para que as filhas pudessem estudar na capital. Ademais, o pai das crianças, um rico fazendeiro, não havia reconhecido a paternidade. É possível que Ottilia tenha conseguido recursos junto ao fazendeiro para que as filhas pudessem estudar no Stafford, uma vez que se tratava de estabelecimento de ensino anglo-americano localizado no bairro dos Campos Elíseos e frequentado pela classe média paulistana.


Após o término dos estudos no Stafford em 1925, Alice ingressou na Escola Normal Caetano de Campos onde, ao concluir o curso em 1930, recebeu o diploma de habilitação para o magistério público em São Paulo e o prêmio Barão do Rio Branco concedido ao aluno com as maiores notas em Geografia e História. Assim, em 1931, ela se tornava professora primária em Manduri, distrito de Piraju/SP, conseguindo, no ano seguinte, transferência para sua cidade natal. Em diversas ocasiões a historiadora rememorou seus tempos de professora em Araras, a alfabetização, as aulas particulares de francês etc. Porém, foram anos marcados pela inquietação causada por seu desejo em continuar os estudos. A ocasião propícia se deu quando, ao folhear um jornal, se deparou com o dispositivo do comissionamento oferecido pelo governo do Estado de São Paulo, ou seja, a possibilidade de professores primários cursarem a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP com a garantia do recebimento de vencimentos. Assim, Canabrava ingressou no curso de Geografia e História da FFCL/USP em sua segunda turma, no ano de 1935. Ao final do curso, em 1937, recebeu distinção na cadeira de História da Civilização, então regida por Fernand Braudel.


Alice novamente se deparava com o desejo de continuar os estudos. Para que pudesse prosseguir na FFCL, ela precisaria de recursos financeiros, uma vez que o comissionamento se encerrava ao final da graduação. A oportunidade surgiu através de convite realizado pelo catedrático de História da Civilização Americana, Paul Vanorden Shaw, para que Alice ocupasse a função de assistente adjunto de 2ª categoria. Com condições materiais para continuar sua formação, ao longo dos anos em que trabalhou como assistente dedicou-se à preparação de sua tese de doutoramento, “O comércio português no Rio da Prata (1580-1640)”, defendida em 1942, com distinção. Assim, a historiadora progredia na carreira, tornando-se 1ª assistente. Com o retorno de Shaw aos EUA, em 1946 realizou-se concurso para a cadeira. Canabrava, mesmo obtendo as maiores notas, foi preterida. A aprovação no concurso garantiu-a o título de livre-docente com a tese “A indústria do açúcar nas ilhas inglesas e francesas do mar das Antilhas (1697-1755)”.


Nesse mesmo ano fundava-se a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (FCEA) da USP, na qual a historiadora tornou-se responsável pela cadeira de História Econômica Geral e do Brasil do curso de Ciências Econômicas. Ao término de seu contrato de três anos, tornou-se a primeira mulher da USP a atingir a posição de catedrática por concurso com a tese “O desenvolvimento da cultura do algodão na Província de São Paulo (1861-1875)”.


Já catedrática e com suas teses em história econômica elogiadas em resenhas por historiadores como Vitorino Magalhães Godinho, Fernand Braudel e Sérgio Buarque de Holanda, Canabrava foi uma das fundadoras da Associação dos Professores Universitários de História (APUH) na FFCL de Marília/SP em 1961. Sua participação como uma das elaboradoras da monografia da área de História no “Encontro Internacional de Estudos Brasileiros. I Seminário de Estudos Brasileiros”, realizado em 1971 no Instituto de Estudos Brasileiros da USP, resultou em importantes debates na tentativa de delimitação do campo da história da historiografia brasileira.


Na década de 1970, a historiadora dedicou-se à duas frentes de trabalho que estão entre suas maiores contribuições intelectuais. A primeira resultou na publicação de reflexões sobre Von Martius, Varnhagen e Capistrano de Abreu. A segunda, por meio de uma série de artigos que tomam enquanto objeto de análise a estrutura da propriedade da terra, a escravidão e os níveis de riqueza da capitania e província de São Paulo com a mobilização do aparato da história quantitativa. A historiadora construiu uma interpretação de Brasil a partir de São Paulo, desprendendo-se da via caiopradiana e demonstrando que a acumulação em São Paulo se dava a partir de uma dinâmica interna.


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(1) Baseado em: ERBERELI JÚNIOR, Otávio. A trajetória intelectual de Alice Piffer Canabrava: um ofício como sacerdócio (1935-1997). Mariana: SBTHH, 2021.

(2) Cf. São Paulo, 26 de julho de 1981. APC-CP-P1,24-(6). Fundo Alice Piffer Canabrava. Arquivo IEB/USP.


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