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ISABEL LUSTOSA | COMO VOTA A COMUNIDADE HISTORIADORA?

Atualizado: 28 de out. de 2022

Nada será como antes


Desde 2016, vivemos numa gangorra emocional.


Não que os anos anteriores tenham sido fáceis. Os governos petistas enfrentaram, desde o início, a violenta oposição da grande imprensa e das classes conservadoras. O apoio que parte do judiciário deu a essa oposição sistemática desde o chamado “Mensalão” até o final da malfadada Lava Jato, criou uma conjunção de forças que, ao longo do tempo, foi minando o prestígio do Partido dos Trabalhadores e de suas principais lideranças. Grandes quadros políticos que tinham se formado durante a ditadura e jovens que apenas começavam suas carreiras como deputados tiveram suas reputações destruídas, foram perseguidos nas ruas e encerraram precocemente suas atividades na vida pública. Com isto, possíveis sucessores do maior líder popular que o Brasil já produziu, saíram de cena.


Não que pudessem superar em termos de fenômeno social, intelectual e político esse personagem singular que é Luís Inácio Lula da Silva. Melhor concretização do ideal-tipo do homem do povo brasileiro: nordestino, imigrante, operário, com formação educacional apenas elementar, mas dotado de tantos dons naturais que dificilmente haverá quem o supere um dia na cena pública brasileira. Lula é inteligente, intuitivo, carismático, tem o dom da palavra e do pensamento articulado e claro que traduz para a gente do povo os temais mais difíceis da ordem social, cultural e econômica em que vivemos. Ele traz inscritas no corpo e na mente as experiências de quem viveu uma infância de muita pobreza e fome. Ao contrário de muitos que, quando ascendem, tiram a escada para outros não possam subir, Lula não esqueceu nunca de onde veio e seu objetivo na vida pública foi sempre o de lutar para que outros brasileiros não sofram o que ele sofreu.


Temos muita sorte em tê-lo nesse momento trágico de nossa História.


Os tempos são outros e Lula que vencerá a eleição no domingo, não terá vida fácil na presidência da República. Ele, que já passou por tantas provas: quase dois anos de uma prisão injusta em isolamento, além da perda da mulher, do irmão e do neto, das tantas injúrias que sofreu e ainda sofre nas ruas sendo acusado de ladrão, ele que foi educado por sua mãe na consciência de que o pobre só tem a própria honestidade para usar como garantia de emprego.


Lula deve se preparar para ser atacado de todas as formas e com todas as armas que a extrema direita brasileira e internacional tem desenvolvido nesta última década.


O conciliador terá que endurecer. O amigo de todos terá que lidar com a realidade de viver em um mundo político cercado de inimigos ferozes, capazes de qualquer vilania, inclusive o assassinato, para destruí-lo.


Ele não poderá fazer isto sozinho.


A sociedade brasileira que preza a democracia tem que se armar também. Não com fuzis e balas, mas com as tecnologias virtuais disponíveis. É preciso deixar de lado o preconceito do intelectual refinado que não se mistura com essa gente e mergulhar nas redes, respondendo de pronto às calúnias, às ameaças e aos ataques. Estamos em uma guerra em que o lado de lá, além dessas armas virtuais, tem armas reais e quer nos liquidar, como já vimos.


Tal como não temos capacidade e nem queremos usar fuzis, também não teremos meios e nem devemos ter para enfrentar as baixarias com que nos atacarão. Já vimos até onde podem descer. Vamos usar os aliados que têm estômago mais resistente para respondê-las e focar na formação das consciências, aspecto do qual nos descuidamos.


Desarmar o inimigo tanto real quanto virtualmente; processar os criminosos que ficaram impunes durante esses seis anos e, principalmente, organizar a defesa institucional, garantindo um Procurador Geral da República que seja claramente progressista e juízes do Supremo de incontestáveis princípios democráticos são medidas fundamentais.


Eleito, Lula deve nomear também ministros da Justiça e da Defesa igualmente zelosos desses mesmos princípios. É fundamental ainda reunir em torno de si, com a habilidade que o caracteriza, prefeitos, governadores, deputados e senadores, independente da opção que tenham feito na campanha para garantir um novo pacto social, a retomada de uma política em que adversários se respeitem e não se tornem necessariamente inimigos.

Domingo vai ser apenas o começo de uma nova e difícil etapa dessa guerra.

Sigamos juntos.


Isabel Lustosa é pesquisadora do Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa e Sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

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