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Foto do escritorHendrik Kraay

QUANDO FOI A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL?

Na década de 1820, discutia-se o significado do 7 de setembro, que muitos não consideravam o dia da Independência

Hendrik Kraay


Quando foi a Independência do Brasil? A pergunta parece ingênua, pois todos sabem a resposta: no dia 7 de setembro de 1822, lá nas margens do Ipiranga, onde Dom Pedro I bradou “Independência ou Morte!”. A resposta não foi tão óbvia para os que vivenciaram aquele ano conturbado. Quando o príncipe Dom Pedro (ainda não imperador) foi para São Paulo, em agosto de 1822, já havia declarado, em um manifesto, a sua intenção de “anuir à vontade geral do Brasil, que proclama à face do Universo a sua Independência política”. De volta ao Rio de Janeiro, depois do Grito do Ipiranga, ainda era um simples príncipe. Apenas no dia 12 de outubro, seu aniversário, foi aclamado imperador e sua coroação ocorreu depois: no dia 1º de dezembro.


Cada uma dessas datas parecia abrir uma nova era. Mas, em 1822, poucos se preocupavam em especificar a data da Independência. Um decreto de dezembro que marcou os dias de gala da corte deixou de mencionar o 7 de setembro e, de fato, não identificou nenhum dia como o da Independência. O próprio Dom Pedro decretou que, “sendo conveniente memorizar a gloriosa época da Independência do Brasil e sua elevação à categoria de Império”, se contaria “o número de anos” decorrentes daquela época a partir do dia 12 de outubro, indício de que ele considerava a Aclamação mais importante que o Grito do Ipiranga.


Na segunda metade de 1823, ao chegarem os primeiros aniversários das efemérides de 1822, era preciso decidir quais dessas datas deveriam ser festejadas. A Assembleia Constituinte resolveu que o dia 7 de setembro fosse feriado nacional. Enviou uma grande deputação para parabenizar o imperador pelo primeiro aniversário da Independência. O embaixador dos Estados Unidos foi surpreendido pela “pompa militar, civil e religiosa” do dia, pois considerava o aniversário da Aclamação como o “verdadeiro dia da declaração da Independência”. O dia 12 de outubro foi festejado da mesma maneira, com salvas de artilharia, uma parada militar, uma missa na capela imperial, o cortejo no palácio (com a antiga cerimônia do beija-mão) e um espetáculo de gala no teatro. Pouco depois, o Imperador designou os dias 7 de setembro e 12 de outubro dias equivalentes de festividade nacional.


Na Corte, durante a década de 1820, comemorava-se mais o 12 de outubro do que o 7 de setembro, pois a Aclamação marcou a fundação do Império, enquanto o Grito do Ipiranga foi, para muitos, apenas a proclamação da Independência em uma província. A lei de 1826, que designou os dias de festividade nacional, consagrou o 7 de setembro como o da comemoração da Independência, mas no Rio de Janeiro, o dia 12 continuava a ser tão festejado quanto o dia 7.


A essa altura, as duas datas condensavam visões diferentes do Império constitucional. O dia 12 destacava o monarca e seu poder pessoal, enquanto o dia 7 podia ser interpretado como uma conquista popular. Em 1830, Evaristo Ferreira da Veiga explicou que, no dia 7, Dom Pedro “abraçou voluntariamente a nossa causa, declarou-se brasileiro também… e tornou-se assim digno de reinar sobre os brasileiros por unânime escolha da nossa recente associação política”. Para o líder dos liberais moderados, a nação estava acima do monarca. Nesse mesmo ano, partidários do monarca festejaram o dia 12 e exortaram os brasileiros a serem dignos da independência e das instituições concedidas pelo “mais magnânimo dos monarcas”, uma visão conservadora que colocava o imperador acima da nação.


Com a abdicação do primeiro imperador em 7 de abril de 1831, a disputa entre 7 de setembro e 12 de outubro foi definitivamente resolvida em favor do dia 7, embora alguns exaltados (liberais radicais) considerassem a abdicação uma nova independência. O Jornal do Comércio admitiu em 1831 que o ex-imperador havia se colocado à frente do movimento em 1822 para “não perder tão rica coroa”, mas julgou que o dia 7 de setembro marcou o “primeiro passo para a Liberdade”. Portanto, devia ser festejado pelos “bons patriotas”.


Como qualquer data comemorativa, o significado do 7 de setembro não era estável. A visão conservadora exaltava o imperador como o único responsável pela Independência, proclamada por ele no dia 7. A visão liberal, já visível nas declarações de Evaristo e do Jornal do Comércio, e mesmo no manifesto de agosto de 1822, sustentava que o imperador era o instrumento da vontade da nação brasileira, que queria tornar-se independente. Essa interpretação repercutiu nas províncias, cujas comemorações da Independência ainda foram pouco estudadas. Em 1829, os exaltados pernambucanos festejaram o dia 7 com um cortejo, uma alegoria da constituição e um hino radical:


Da pátria, os sacros direitos Havemos firmes manter. Morrer, antes, brasileiros, Do que vis escravos ser.


Na Bahia, onde a guerra pela Independência se alastrou até o dia 2 de julho de 1823, não há indício de que o 7 de setembro fosse comemorado naquele ano. Já em 1824, um periódico baiano explicou que o dia era “do maior interesse para todos os Brasileiros, por ser o aniversário do dia em que o Nosso Augusto Imperador Constitucional gritou ‘INDEPENDÊNCIA Política do Brasil’”. Os baianos, todavia, prestaram pouca atenção ao 7 de setembro, pois na década de 1820 inventaram novas formas de comemorar a sua Independência: a festa do Dois de Julho, com uma grande parada que, ainda hoje, reproduz a entrada dos patriotas vitoriosos em Salvador. Já em 1828, patriotas baianos requereram ao parlamento que o dia 2 de julho fosse designado dia de festividade nacional. Desde então, têm sustentado que a vitória patriota e popular em 1823 é a verdadeira Independência brasileira.


A despeito da campanha baiana pelo reconhecimento do Dois de Julho, nem os esforços dos exaltados que consideravam o 7 de abril de 1831 como a verdadeira Independência, nem as tentativas dos conservadores de enaltecer o monarca por meio da comemoração do dia 12 de outubro de 1822, o 7 de setembro conquistou seu lugar como a data da Independência na primeira década do Império. Restava, e ainda resta, debater o seu significado e as formas condignas de festejá-la na procura de um passado que ajude a forjar um presente melhor para todos.

Hendrik Kraay é professor da Universidade de Calgary (Canadá) e autor do livro Days of
National Festivity in Rio de Janeiro, Brazil, 1823-1889. E-mail: kraay@ucalgary.ca
[https://orcid.org/0000-0002-6796-4942]

Saiba Mais KRAAY, Hendrik. A invenção do Sete de Setembro, 1822-1831. Almanack Braziliense. São Paulo, n. 11, p. 52-61, 2010. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1808-8139.v0i11p52-61 LYRA, Maria de Lourdes Viana. Memória da Independência: marcos e representações simbólicas. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 15, n. 29, p. 173-206, 1995. SANTOS, Lídia Rafaela Nascimento dos. Entre os festejos e as disputas políticas: as comemorações do Sete de Setembro de 1829 no Recife. Clio. Recife, v. 33, n. 2, p. 74-99, 2015. Disponível em: https://bit.ly/3nWhgbl. Acesso em: 26 jan. 2022.




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