Votei em Lula em 1989, quando morava em Guarulhos e a inflação comia os salários do povo. A vida era difícil. Collor de Melo ganhou as eleições com um discurso moralista e mentiroso de caçador de marajás e combatente contra a corrupção. Não era uma coisa nem outra, apenas o candidato da situação. Tornei a votar em Lula em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso obteve a vitória sobre o petista, no primeiro turno, com 54% dos votos. Ele era o candidato das elites, queridinho de empresários e de muitos intelectuais paulistas. Foi abraçado pelo capital e pela grande mídia. Em 1998, mesmos opositores e resultado: FHC levou a melhor no primeiro turno. Naquele momento seguia um governo ilustrado, republicano, bom de discurso, mas na prática a política seguia clientelista, baseada na coalizão e em poucos ganhos para os mais pobres, para os trabalhadores. Embora tenha sido obtida a estabilidade econômica com o Plano Real, a população continuava miserável e com poucas possibilidades de ascensão social. Mas não foi, no conjunto, um governo detestável. O PSDB era republicano e pactuava com atores e instituições uma política dialogada, embora pouco simpática à justiça social.
Em 2002 foi diferente. O país desejava mudança. E a grande mídia ou o capital não se importou com o crescimento da candidatura do metalúrgico de São Bernardo do Campo. Lula era um líder carismático e um político apto para liderar um projeto não apenas partidário; um grande pacto nacional. O petista avançou para o segundo turno e venceu a eleição com 61% dos votos. E recebeu, novamente, o meu. Ficava claro que opção de brasileiros e brasileiras era por um projeto popular. Eu defendia meu doutorado em História Econômica na USP, estava atento a indicadores e índices sociais e econômicos. Para mim estava claro que o projeto petista era, de longe, o melhor. Distribuir renda, acolher demandas do capital e dos trabalhadores sem descuidar do meio ambiente, em um grande pacto em prol do desenvolvimento social e econômico brasileiro geral, em diferentes faixas, setores e camadas sociais. Em 2006 tivemos segundo turno e, Lula venceu com 60% dos votos. Um deles era meu. Ratificava-se um projeto que trouxe melhorias efetivas para toda a sociedade, patrões, banqueiros, comerciantes e trabalhadores.
Se em quatro anos esse salto havia sido possível, por que mudar o voto? Mas bons governos incomodam opositores e adversários, que não se elegem e perdem espaços de poder. Assim, não foi por acaso que de 2006 a 2010 o PT se tornou alvo intenso de ataques, espetáculos midiáticos, CPIs, investigações. Uma cruzada, bem orquestrada por lideranças oposicionistas, empresários e donos de veículos da grande imprensa. Dali para golpes ainda mais sórdidos e baixos era questão de tempo. Como não era possível vencer no voto, o jeito era apelar para qualquer expediente. No caso brasileiro o melhor caminho era tornar a questão em algo moral-policial. Lula e o PT precisavam ser convertidos a ameaças, a bandidos. A tática, bastante conhecida, foi associar o PT a dois delírios históricos da direita: a corrupção e o comunismo.
O curioso é que o PT tinha tido oito anos para transformar o país em uma Venezuela, em uma Cuba – conforme apregoavam – Lula deveria ter bilhão de dólares em paraísos fiscais, seus filhos milionários, petistas todos vivendo em iates. Deveria ter fechado o STF ou aumentado o número de juízes na corte. Deveria ter confiscado terras de latifundiários, estatizado empresas. Mas não fez nada disso. Apesar de campanha difamatória ampla, geral e irrestrita, Dilma Rousseff venceu o disputado pleito de 2010. Então não votei em Lula. A sistemática campanha de “caça ao PT” começava a dar resultados. Bancada no Senado e no Congresso deixou de crescer. Opositores vislumbraram o caminho para chegar ao poder. Usar a grande imprensa e a justiça como reverberadora de sua cruzada moral contra o PT. Mas, com indicadores econômicos e sociais positivos, o partido novamente ganhou a eleição presidencial. E voltou a ganhar em 2014, apesar da guerra híbrida, dos 20 centavos, do Não Vai ter Copa, Não vai Ter Olimpíadas, do Vem pra Rua. Movimentos orquestrados e retroalimentados pela grande imprensa e, em seguida, surgiu o advento da farsa da Lava Jato. A diferença sobre Aécio Neves, segundo colocado foi de apenas 3% dos votos.
Eleição apertada, eleição questionada; um movimento flagrantemente golpista crescia, construíam uma crise econômica inexistente. Os derrotados abandonaram escrúpulos e junto com adversários históricos abandonaram as regras e os princípios republicanos. Continuavam insistindo que o PT era corrupto, que Lula e Dilma eram ladrões, que iriam transformar o Brasil em uma Venezuela e tinham quebrado o país. Falácias, pois a economia seguia bem, menor desemprego histórico, reservas cambiais de mais de 350 bilhões, contas em dia, pagamentos sem atraso, pré-sal projetando o país para ser autossuficiente em petróleo e uma das cinco maiores economias do planeta. Respeitado internacionalmente, com trabalhadores tendo maior renda e poder de consumo, tudo isso foi interrompido por um golpe jurídico-parlamentar baseado numa fraude: a de que Dilma havia cometido infração administrativa. E sobre corrupção, comunismo ou país quebrado, os fatos e os julgamentos indicavam o contrário. A estratégia da oposição e da mídia foi cozinhar tudo em banho-maria, esperando alguma descoberta retumbante que nunca veio. Nada foi comprovado, salvo que empregados de empreiteiras e do governo, ao lado de dirigentes de empresas se corromperam.
Daí veio o governo Temer, de retirada de direitos – um governo de traidores da pátria, que diziam defender a família (deles) e o Brasil (para eles). Foi exatamente ali que opositores e adversários pavimentaram o caminho para a ascensão de uma direita senil, raivosa e oportunista. Velhas raposas, amparadas por atores econômicos de pouco destaque reconheceram uma oportunidade de ouro: a terceira via não havia decolado. Um candidato do centro, limpinho e cheiroso não apareceu. Então, mediante uma das piores campanhas de todos os tempos, insistindo no antipetismo tendo ao seu lado a imprensa e o Judiciário, ocorreu a vitória de Bolsonaro em 2018, graças à prisão ilegal de Lula. Em torno dessa vitória selou-se o destino, ao menos momentaneamente, da grande parte da população brasileira: ficar mais pobre e desprotegida. Aquela intensa cruzada midiático-empresarial – afinal quem paga publicidade na TV, nos rádios ou nos jornais escolhe a linha editorial – tinha um projeto e isso hoje fica claro: desejavam retirar ainda mais direitos sociais, ampliando-se o desemprego e o desmantelamento da Petrobrás. O resultado é o que vemos hoje: câmbio baixo, desemprego alto, orçamento secreto – um esquema de corrupção bem maior que o de empreiteiras e Petrobrás. Ciência, ensino e saúde abandonados.
O Brasil de Bolsonaro se tornou uma maravilha para patrões, especuladores financeiros, agronegociantes, empresários, banqueiros, coachs, digital influencers, tiktokers e comerciantes antipetistas. Eles ganham dinheiro, reajustam o valor daquilo que vendem – invariavelmente fantasias de consumo ou commodities – enquanto o trabalhador, o pobre ou o desempregado não. Mas, no supermercado, nos postos de saúde e de gasolina o brasileiro padece. Converteram o debate político em guerra, de amigos contra inimigos, questão de vida e morte. Coisa de partida de futebol, de programa policialesco de tv. Vagabundo, ladrão, corrupto são senhas que articulam nas telas da TV ou dos smartphones essa súcia e seus apoiadores. Alguns esclarecidos, que se valem de recursos para bancar carros de som, adesivos, outdoors, propaganda na TV, tendo lá seus emissários. Encenando moralidade de goela, aproveitam-se da ignorância da população, dos algoritmos e do poder econômico para esconder que seu projeto não se destina a atender a sociedade como um todo, mas apenas beneficiá-los. Voltamos ao mapa da fome, aos empregos esporádicos e informais. Tivemos quase 700 mil mortos na pandemia. Bolsonaro é o governo da necropolítica. O armamento da população e a política do ódio querem dividir o país, torná-lo um faroeste sem lei, de negacionismos e fakenews. Fazer do Brasil um fazendão exportador de commodities, assentado em uma massa famélica e ignorante. Não é à toa que retiraram recursos da educação ou da saúde, o plano é manter a subalternidade do povo, disseminando nele a mentira, o medo e o ódio. Assim são mais fáceis de serem manipulados. Distrair o povo enquanto fazem a boiada passar. Lula vai dar um fim nisso. Só ele pode unir esse país, reconduzindo-o a marcos civilizatórios, à ética, à justiça social e ao republicanismo. Por isso voto Lula.
Julio Bentivoglio é professor do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo.
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