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  • Foto do escritorPaulo Roberto de Azevedo Maia

INDEPENDÊNCIA OU MORTE

O tema da independência no cinema brasileiro


Paulo Roberto de Azevedo Maia


Alguns temas históricos são tão importantes que a cada geração um novo filme surge para fazer sua releitura. Diferentemente de outros países, a problematização de um momento histórico tão relevante para o Brasil como a independência não é uma prática recorrente da nossa cinematografia, e temos apenas um filme de longa metragem, não documental, que trata da questão de forma direta. Independência ou morte de 1972, dirigido por Carlos Coimbra, é o grande exemplo de como o tema da Independência foi discutido pelo cinema.


Ao longo dos anos, vários filmes tiveram a história como tema e alguns se aproximaram da questão da independência, como Os Inconfidentes (1972), com direção de Joaquim Pedro de Andrade; Tiradentes (1999), de Oswaldo Caldeira; e Carlota Joaquina (1995), de Carla Camurati.


O primeiro filme dito histórico com a temática da independência do Brasil foi Independência ou morte ou Grito do Ipiranga de 1917, dirigido pelo italiano Giorgio Lambertini e com roteiro do jornalista Eugênio Egas. Infelizmente, não existe nenhuma cópia do filme e as únicas referências são encontradas na grande imprensa. Várias décadas foram necessárias para que o tema fosse resgatado em um novo filme.





O ano de 1972 marcou os 150 anos da independência do Brasil. O governo civil-militar investiu pesadamente na comemoração, que não ficou restrita às paradas militares, envolvendo um conjunto de eventos que contou com a presença do presidente da república em várias partes do país, assim como um produto que teve especial interesse das autoridades e de grande parte da sociedade, que foi o filme Independência ou morte de Carlos Coimbra.


A produção recebeu grandes investimentos do Estado e o resultado não decepcionou. O filme se enquadrava nos interesses de fortalecimento do espírito de nação por meio de uma narrativa positivista no que diz respeito à valorização dos fatos e da linearidade. Uma exaltação clara dos ideais patrióticos de Dom Pedro I, que é retratado de forma idealizada como verdadeiro herói nacional. A satisfação com o filme ficou evidente nas próprias palavras do presidente Emílio Garrastazu Médici, que enviou um telegrama ao cineasta Carlos Coimbra parabenizando-o e também a toda equipe realizadora por retratar os fatos de forma inspiradora “nos caminhos de nossa história” para educar e divulgar valores cívicos.


O filme procura narrar a história do processo de independência, dando ênfase à figura do herói nacional Dom Pedro I e, também, de José Bonifácio de Andrade e Silva, assessor e ministro de Estado durante o primeiro reinado (1822-1831), dentro da perspectiva de “patriarca da independência”. A terceira personagem central da história é a figura de Domitila de Castro, a marquesa de Santos. Chamava atenção na época o fato de o elenco trazer um casal de artistas famosos da televisão: Tarcísio Meira, galã de novelas, fazia o papel de Dom Pedro I e sua esposa Glória Menezes era a marquesa de Santos. Havia brincadeiras com o fato de Tarcísio Meira trabalhar com a esposa interpretando sua amante.


A grande imprensa tratou de fazer uma cobertura robusta do lançamento do filme, valorizando seu aspecto histórico. O material publicitário divulgado nos jornais chama a atenção ao afirmar que “muitos morreram para que esse grito fosse dado, muitos lutaram para mantê-lo vivo!” As mensagens procuravam enfatizar o minucioso trabalho de pesquisa que deu sustentação ao filme, o que é reforçado pelo documentário de divulgação que mostra os detalhes da produção com o rigor nos fatos narrados, mas também com a valorização da reconstrução de época por meio dos figurinos e direção de arte.


O que a imprensa não disse foi que o filme era limitado em vários aspectos, principalmente na forma de conceber um roteiro que limita a ação dos agentes políticos no processo de independência. Se por um lado, o filme narra algumas das contradições de fazer com que o Brasil voltasse à condição de colônia e deixasse de ser reino unido, por outro, ele esvazia as ações políticas da própria elite portuguesa e brasileira nesse processo. As pressões por parte da elite sobre o monarca brasileiro aparecem por meio de citações quase extraídas de um livro didático e sem uma problematização mais apurada.


O filme inicia com o imperador Dom Pedro I vivendo a crise que levará a sua abdicação, e em retrospectiva é contada sua história, partindo de sua infância já no Brasil e passando pelos vários episódios e a administração cheia de conflitos que levam à independência.


A cena mais representativa em termos simbólicos da trama é a do grito de independência (1922), feito com um suposto rigor histórico a partir da pintura de Pedro Américo (1943-1905), como pode ser observado na Figura 1. Cada detalhe do quadro é reconstituído com precisão como se aquele momento tivesse sido retratado com fidelidade pelo pintor, mas a pintura é de 1888 e, mesmo seguindo as regras da academia Imperial de Artes, Pedro Américo apenas idealizou o grito do Ipiranga, já que não estava lá. Imbuída de muita emoção, as imagens do filme mostram Dom Pedro à beira do rio Ipiranga, lendo a carta de José Bonifácio intercaladas com a narração e imagens do próprio Bonifácio, exaltando a indignação frente aos arbítrios da coroa portuguesa que insistia no retorno do príncipe regente a Portugal. A cena é finalizada com o Dom Pedro subindo no cavalo e gritando independência ou morte com a reconstituição do quadro encenada, evocando uma imagem idealizada do episódio que o ensino de história, por meio dos livros didáticos, ajudou a fortalecer. A força do monarca e o nascimento de uma nação são os grandes destaques.


O filme se mantém como o longa que fala da independência e é de se estranhar que nada novo tenha aparecido. A televisão já tratou do tema, como na novela Novo Mundo (2017) e, de forma muito debochada, na minissérie Quinto dos Infernos (2002), mas não houve nenhuma nova proposta por parte dos cineastas para essa temática. O filme caricato Carlota Joaquina (1995), que mostrou a vinda da família real para o Brasil, não chegou a retratar a independência, embora tenha feito alguns esboços iniciais do processo. O recente A viagem de Pedro (2022) também não avança na discussão da emancipação política do país.


Ao chegar ao marco de 200 anos da independência, o cinema poderia nos proporcionar mais e melhor. Com a existência de novas discussões historiográficas, um filme com leitura mais crítica e atual seria bem-vindo.


Paulo Roberto de Azevedo Maia é Professor do departamento de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e autor do livro Que bonito é… A trajetória do cinejornal Canal 100 (2020). E-mail: paulomaia@cchla.ufpb.br.



Saiba mais:


BERNARDET, Jean-Claude; RAMOS, Alcides Freire. Cinema e história do Brasil. São Paulo: Edições Verona, 2017.


CORDEIRO, Janaina Martins. A ditadura e tempos de milagres: comemorações, orgulhos e consentimento. Rio de Janeiro: FGV, 2015.


INDEPENDÊNCIA ou morte. Produção de Carlos Coimbra. São Paulo: Cinedistri, 1972.

KLEINA, Olívia Baldissera de Souza. O imperador galã que nos deu a Independência: a representação de D. Pedro I no filme Independência ou Morte. 2022. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2022.


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